domingo, 9 de janeiro de 2011

E então

Era um predio baixinho numa rua esquecida pelo tempo. Ao contrario de toda a cidade que crescia, a rua diminuía nela mesma, se tornando quase um ponto. De tão milimétrica somente seus moradores e alguns entregadores do correio conheciam seu nome. Três andares, quatro apartamentos por andar, doze apartamentos, doze não-famílias. A primeira vez que ela encontrou aquele prédio era um dia chuvoso, numa cidade que alaga, água pelos joelhos, lama por todo o canto. Uma calamidade normal de qualquer chuva primaveril. A arquitetura esquisita e horrorosa da construção sequer chamava atenção. As plantas dos apartamentos foram feitas por alguém que definitivamente deveria ter sua licença de engenheiro retirada. De três quartos, dois davam pra cozinha, um para a sala, o banheiro social saía na copa.
Tinha urgencia em se mudar, depois de ter percorrido a cidade atrás de um teto para ficar, ela se encontrava ali, debaixo da chuva. Subiu as escadas, o quarto anunciado no jornal ficava no terceiro andar. Quando Dona Marina abriu a porta, era como aquelas imagens bíblcas onde se vê aquele feixe de luz iluminando os santos, aquela senhora era tão encantadora quanto a entidade de quem ela tomou o nome. Ela tinha cheiro de manhã de domingo, um sorriso confortante, tinha algo que se perde quando se tenta explicar. Uma clássica senhora idosa, perdeu o marido alguns anos antes, os filhos se casaram tiveram filhos, passou a morar sozinha depois de tudo isso, entrou em alguma religião, sua vida gira torno da igreja, seus amigos são aqueles que ela encontra no culto, nunca teve um amor de verdade. Teve um marido, uma família, mas nunca um amor. E só depois de quase 70 anos, finalmente descobriu o sentido da palavra solidão.
No apartamento era sempre domingo, ignorava que existissem outros dias da semana, o tempo não passava entre aquelas quatro paredes. A poeira que vinha do tunel proximo ao prédio era tão cruel, que mesmo que se varresse o chão e tirasse o pó de seus móveis três vezes ao dia, era a presença que se sentia mais forte durante a manhã, mergulhando tudo em sua fina névoa branca que se depositava em tudo o que era sólido. O que era extremamente enfadonho para a dona da casa, quando se está velha, sua via sempre foi cuidar da casa. Isto é tudo o que lhe resta de orgulho, filhos já crescidos e desviados daquele que ela sempre achara que fosse o caminho perfeito para suas vidas. Encantados com sereias, deusas, ideais familiares, luxurias. A casa era sua única jóia, a ostentação que ela ainda se permitia ter, uma casa arrumada para mostrar aos outros, encantar os vizinhos, com sua cristaleira e louças que foram presentes de seu casamento que há sete anos não existia mais. Nada mais tinha ainda seu sentido impregnado nas coisas, era velharia. Mas presa a essa velharia tanto quanto ao excesso de arrumaçao de todas as coisas.

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