terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Love is watching someone die.

Quando eles se separaram eu tinha 3 anos, quando ele se mudou eu tinha 7. Eu já me senti abandonada.
Mas eu lembro do dia dos pais do ano que ele se mudou, foi a única vez que meu pai foi comigo ao dia dos pais do colégio, foi a única vez que ele pode ir. A atividade familiar era fazer algo com sucata em companhia do seu pai, ele fez um satelite de cartolina rosa e canudos coloridos, para que mesmo longe nós pudessemos nos falar de alguma forma, aquele satélite seria ele. Eu nunca vou me esquecer desse dia, considero uma das memórias mais importantes que eu tenho.
Nos falávamos aos domingos, telefonar para meu pai é minha missa, meu dia sagrado. Eu quero ouvir ele falando das maravilhosas partidas de xadrez, da beleza das equações, dos números primos, dos planos dele para decodificar RSA.
Passei quase o mês inteiro de janeiro ao lado dele, assistindo seriados de madrugada, bebendo cerveja, conversando. Ele me contou das tentativas de suicidio dele pela primeira vez.
Como quando minha mãe e ele se separaram, ele doou todos os móveis e eletrodomésticos, abriu a janela, porém lembrou das duas filhas pequenas qua ainda tinha e que queria vê-las crescer. Meu pai não se matou por causa do amor que ele tinha por mim. Essa foi a maior prova de amor dele.
Ele tomou 10 comprimidos de anti-depressivo, implorou para que o general não aposentasse ele, falando todo torto. Mas não adiantou, ele foi aposentado.
Hoje, eu o vejo piorando a cada dia, parando de andar, de piscar, de escrever, da sair, de sorrir. Ele está perdendo as expressões faciais, aparentar ser muito mais velho do que é, mas quando ele finalmente sorri, eu reconheço ele. Eu reconheço o pai que sempre me amou, sem nunca ter me sufocado. E eu quero ver ele quase chorando de alegria, como no dia que eu passei no vestibular. Porque ali eu vi o quanto ele se orgulhava de mim.
Eu já tentei me preparar para a morte dele, mas não é algo que eu consiga. Simplesmente, não estou pronta para deixá-lo ir, e descobri que não quero estar. Não quero transformá-lo num morto-vivo. Eu quero beber toda a cerveja do mundo com ele, escutar Roberta Mirando, cantar "Me dê motivos",rir mais de milhares de vezes com ele, ser acordada de madrugada porque ele está com insônia, escutar todas as piadas ruins que ele consegue inventar.
Eu quero muito ser filha.

6 comentários:

Nats disse...

Não gostaria de estar preparada pra morte de alguém que amo. Prefiro viver ao lado dessas pessoas. =)

Anônimo disse...

Concordo... (:
Agora que eu tb tenho, virei aqui mais vezes... e assim que eu aprender a usar, favoritarei vcs... é assim que se fala? õÔ beijo

Roberta disse...

Ninguém está preparado para a morte de quem ama.
Lindo o q vc escreveu.

Roberta disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Deu pra perceber o quanto você gosta dele quando falou sobre ele na festa que a gente se conheceu...

Karina disse...

Lindo texto, emocionou-me... amar é um risco: a gente se atira, ama e sofre quando a vida nos separa do que amamos. Impensável, no entanto, é a vida sem experimentar isso.

Um grande beijo e boa sorte!
Karina