sábado, 31 de maio de 2008

Crônicas de um casamento V

Sábado de maio, dia de casamento em um mês de casamentos. A noiva estava linda de branco, como todas as noivas. O noivo a esperava no altar, como todos os noivos. E os convidados entediados pensando na festa, como todos os convidados. Depois da chuva de arroz, o caminho para a festa.
E o câmera tudo filmava.
E depois da festa, o caminho para o motel. E o noivo vai saber o que se passou só na manhã seguinte, amnésia alcoólica.
Ele acorda e se vê no espelho do teto.
- Bom dia, marido.
- Acho que perdi alguma coisa.
- Que nada, amor. Você se divertiu tanto ontem.
- ...
- Ah, amor. Não faz essa cara. Afinal, você foi hilário ontem. O palhaço da festa. Ainda que você deveria ter comido alguma coisa entre um uisque e um prosecco, ao invés de fazer malabarismo com coxinhas.
Ele ri.
- Tudo bem que você agarrou minha irmã. Vai ver você se confundiu, apesar dos vinte quilinhos a mais e o vestido roxo beterraba dela. E a propósito, valsa não é forró. Quer um copo d'água? Engov?
Ele não ri. Nem responde.
- Amor, não fica triste. Foi engraçado. Acontece. O que foi você subindo na mesa girando o paletó e dançando YMCA? Você fez um mosh não intencional na galera. Pegou vovó no colo pra dançar com você.
- ...
- Vai, amor. Foi divertido. Tive que jogar o bouquet umas três vezes porque você sempre se metia no meio dando uma de goleiro. E quando Mariana pegou o bouquet junto com Beatriz, você tinha que ver a pancadaria. Nenhuma das duas queria largá-lo. Fábio se meteu e cortou o bouquet ao meio, com a faca do bolo. Mas eu não sei se isso vai sair no filme. Porque na hora da sua goleada você jogou o câmera no chão. O câmera filmou aquela sua prima Amanda enquanto ela escondia os doces na bolsa. Ela ficou roxa de vergonha. Tadinha... E na hora de trocar as taças?! Você não conseguia de jeito nenhum acertar a boca.
- Falta muito pra festa acabar?
- Pierre me ajudou a levar você pro carro. Você bateu na cadeira e roncou como um bebê. E quando você chegou no motel, você não conseguia fazer nada. Mas isso não é problema, é? Quem não broxa uma vez na vida? É o álcool... Amor, não chora. Está tudo bem. Agora tenta levantar, afinal não queremos perder o avião, não é?

sábado, 24 de maio de 2008

Crônicas de um casamento IV

Sábado de maio, dia de casamento em um mês de casamentos. A noiva estava linda de branco, como todas as noivas. O noivo a esperava no altar, como todos os noivos. E os convidados entediados pensando na festa, como todos os convidados. Depois da chuva de arroz, o caminho para a festa.
E o câmera tudo filmava.

A noiva estava 15 minutos atrasada, mas noivas sempre se atrasam.

30 minutos de atraso, mas noivas sempre se atrasam.
Os convidados começam a ficar impacientes. E o noivo preocupado.

45 minutos de atraso, mas noivas sempre se atrasam.
Os convidados do próximo casamento já começam a chegar, o padre fica impaciente, ligam ininterruptamente e ela não atende. O noivo preocupado tenta disfarçar com sorrisos. O câmera não tem mais o que filmar.

1 hora de atraso, mas noivas sempre se atrasam.
E ninguém sabe dela. A chuva aumenta, os minutos se arrastam...

1 hora e 15 minutos de atraso, mas noivas sempre se atrasam.
Cogita-se trânsito, acidente, desistência. O celular desligado. E dela nenhum traço. E dele não mais sorrisos.

1 hora e meia de atraso, mas noivas não se atrasam tanto.
Ela não vem mais. Os padrinhos, os convidados, fofoca, preocupação e pena misturam-se nos sussurros entre eles. A festa, a igreja, a lua-de-mel tudo pago e tudo pronto. Mas ela não veio.

- Atenção passageiros da Air France com destino a Paris vôo 2308 embarque imediato pelo portão 7.
Com duas passagens trocadas por uma da primeira classe, ela embarca para Paris deixando tudo para trás.

sábado, 17 de maio de 2008

Crônicas de um casamento III

Sábado de maio, dia de casamento em um mês de casamentos. A noiva estava linda de branco, como todas as noivas. O noivo a esperava no altar, como todos os noivos. E os convidados entediados pensando na festa, como todos os convidados. Depois da chuva de arroz, o caminho para a festa.
E o câmera tudo filmava.
Só que dessa vez, não teve caminho para festa. Pode-se dizer que nem da igreja os noivos saíram juntos. Romance por conveniência. Amor vem com o tempo. Eles devem ter acreditado nisso a ponto de terem tentado se casar. Ela percebeu que não importava o quanto ela desejasse, não conseguiu e não conseguiria que o amor viesse. E nada daquilo mais fazia sentido.
- É de livre e espontânea vontade que o fazeis?
- Não.
Então toda a igreja mergulhou em um silêncio perturbador, os convidados se entreolhavam atônitos com tal inesperada resposta. O padre tossia. A mãe da noiva desmaiava. E o silêncio.
Em vista de todos os casamentos, tantos divórcios e traições. Pode-se dizer que esse foi um casal sincero que não chegou a jurar amor incondicional até que a morte os separe. Se tão poucos cumprem aquilo que prometem, então qual o sentido em prometer?

sábado, 10 de maio de 2008

Crônicas de um casamento II

Sábado de maio, dia de casamento em um mês de casamentos. A noiva estava linda de branco, como todas as noivas. O noivo a esperava no altar, como todos os noivos. E os convidados entediados pensando na festa, como todos os convidados. Depois da chuva de arroz, o caminho para a festa.
E o câmera tudo filmava.
Ela estava lá com seu vestido amarelo que acentuava suas excessivas curvas. Seu corpinho roliço impossibilitado de passear com desenvoltura, permaneceu grande parte da festa sentado. Afinal, garçons não costumam servir bem as pessoas que ficam na pista. Resolveu ela então, permanecer ali, naquela estratégica mesa perto da saída da cozinha.
O câmera filma a pista e raramente as mesas. Sempre atrás dos noivos, que cumprimentam os convidados, tiram fotos. Cansado do mesmo trabalho, dos sorrisos forçados, das mulheres que passam perfume para tirar foto.
Dizem que casamento só é feliz para os noivos. Ela se distraía de coxinha em coxinha, ele de uísque em uísque.
O momento mais esperado pelas encalhadas, desesperadas para casar: A noiva vai jogar o bouquet. 1, 2, 3... ela joga para o alto seus braços redondinhos, naquela expectativa de alcançá-lo, de finalmente também ela se casar, como se aquele bouquet fosse a passagem de saída da solidão e da falta de sorte no amor. O seu trevo de quatro folhas. E ele cai como uma luva em suas mãos.
Ela era só alegria e contentamento, como um sonho realizado. Em sua euforia, ela acaba tropeçando em um fio, e cai no chão. O gentil câmera, tentando esconder o riso, lhe ajuda a levantar. E entrega seu bouquet.
-Cuidado, não vá deixar o seu marido escapar.
-Escapar não vai, no máximo quebrou uma das pernas.
E eles riram.
Sábado de maio, dia de casamento em um mês de casamentos. A noiva estava linda de branco, como todas as noivas. O noivo a esperava no altar, como todos os noivos. E os convidados entediados pensando na festa, como todos os convidados. Depois da chuva de arroz, o caminho para a festa.
E o câmera se casava.

sábado, 3 de maio de 2008

Crônicas de um casamento I

Sábado de maio, dia de casamento em um mês de casamentos. Ela estava linda de branco, como todas as noivas. Ele a esperava no altar, como todos os noivos. E os convidados entediados pensando na festa, como todos os convidados. Depois da chuva de arroz, o caminho para a festa.
E o câmera tudo filmava.
A festa tocava as mesmas músicas de todo casamento, os convidados comendo e bebendo, caindo trêbados, enquanto a mãe da noiva se gabava de tão bela filha. Afinal, nunca achou que aquela puta fosse se casar. E o noivo sorria.
Anos e dois filhos depois, o marido, na internet, navegando por sites pornográficos, afinal ele não conseguia mais sentir tesão por aquela gorda que estava na cozinha fazendo o almoço. "Noivinha safada dá no banheiro", ele clicou.
Ele reconheceu aquele vestido, era ela, mas não ele. A câmera na pia, os dois na parede. E ao fundo dos gritos dela podia-se ouvir a música de festa. Ele podia ainda reconhecer o crachá do câmera.
- Amor, o almoço está na mesa.
Ele se levanta, ainda atônito.
- Você se lembra da nossa festa de casamento?
- Isso já faz muito tempo. Por que essa pergunta agora?
- E do câmera?
Ela não responde. E ele vendo no que ela se transformou, entendeu aquele silêncio, afinal, daquele dia nada sobrou. A beleza, a vaidade, o amor, o sexo, nada daquilo existia mais. Tudo o que sobrou é o album de fotos. E é com este que ele se tranca no banheiro, bate punheta e chora.